Carta de Pelotas, março de 2013
Sobre a conservação e restauro de bens culturais no Brasil
O Conservador-restaurador é um profissional que trabalha para a preservação de bens culturais que se revestem de características simbólicas, o que lhes atribui valor cultural, além do valor financeiro que é presente em muitos desses objetos. A própria especificidade da atuação profissional do Conservador-restaurador justifica a sua importância e razão social de ser: ao operar sobre objetos que têm essas diversas dimensões de significado e valor social, objetivando a manutenção da sua existência, o Conservador-restaurador contribui para a preservação da memória social.
Por esses motivos o Conservador-restaurador já tem o seu reconhecimento estabelecido em diversos países. No Brasil, apesar de algumas instituições e profissionais contribuírem para a divulgação da imagem do Conservador-restaurador, ainda se constata muito desconhecimento por parte da sociedade, de maneira geral, de modo que nem sempre os conservadores-restauradores são considerados ou lembrados como os profissionais habilitados para exercerem aquilo que deveriam fazer - a gestão da memória por meio da conservação e restauração dos bens culturais.
Nos últimos anos o Brasil presenciou algumas mudanças aceleradas no campo da conservação e restauro dos bens culturais. Dentre elas, destaca-se o avançado estágio do processo de regulamentação da profissão de Conservador-restaurador e o surgimento dos cursos de graduação nesta área, em instituições públicas e privadas. Nesse novo contexto, antigas demandas da área são fortalecidas, ao mesmo tempo em que outras passam também a ocupar o espaço de reivindicação coletiva dos agentes que lutam pela consolidação da área da conservação e restauro no Brasil.
A partir desse contexto, os participantes presentes na 1º Semana de Conservação e Restauro realizada pela Universidade Federal de Pelotas em março de 2013, entenderam ser fundamental que o processo de regulamentação da profissão do Conservador-restaurador seja finalizado o mais rápido possível, considerando os riscos pelos quais passa o patrimônio cultural, a exemplo de alguns tristes acontecimentos que foram noticiados em escala mundial e que já são históricos, tais como a suposta restauração de uma pintura sacra ocorrida na Espanha, realizada pela senhora Cecília Giménez, o que implicou na provável destruição da obra original.
Dessa forma, durante este evento a temática do necessário fortalecimento da área da conservação e restauro foi debatida com a participação de estudantes de cursos de graduação em conservação e restauro de instituições brasileiras, professores, profissionais atuantes e demais apoiadores da área, de modo a identificar as questões importantes para a área e elencá-las no presente documento. Os elementos que compõem esta Carta de Pelotas foram discutidos e entendidos como de fundamental importância para a qualificação e consolidação da área da conservação e do restauro de bens culturais no Brasil e estão enumerados a seguir:
- O Conservador-restaurador é um profissional que poderá priorizar a conservação ou o restauro em sua atuação profissional. No entanto, as decisões devem ser tomadas respeitando os princípios éticos da profissão e considerando o horizonte de expectativas dos grupos que detêm a posse de um determinado bem cultural. Será no trabalho em equipe, e considerando as características em que se encontra o bem cultural, que deverá se estabelecer uma metodologia de ação, sempre pensando de forma integrada a conservação e o restauro como atividades que compõe um mesmo campo epistemológico e profissional. Assim sendo, é fundamental que se perceba a abrangência da atuação do conservador-restaurador e que se compreenda que o trabalho interdisciplinar não descaracteriza as especificidades da área.
- O trabalho com o patrimônio imaterial requer conhecimentos a respeito das especificidades dessa tipologia patrimonial, na medida em que o Conservador-restaurador precisa operar com objetos que compõem esse patrimônio e deve respeitar a dimensão memorial destes objetos. Assim, os conceitos que normalmente são utilizados para o patrimônio tradicionalmente dito material, devem ser utilizados com um necessário cuidado com as especificidades dos objetos que compõem parte do que se compreende como patrimônio cultural imaterial.
- Considerando os aspectos éticos da profissão, na medida do possível o Conservador-restaurador deve publicizar os resultados do seu trabalho, visando a transparência de sua atividade profissional, sem que isso prejudique a segurança e a integridade do bem cultural e do seu proprietário, ou mesmo da instituição a qual o mesmo pertence. Congressos de área, promovidos por instituições de representação de classe, instituições culturais, universidades ou outros, são meios adequados para a socialização dos resultados e dos conhecimentos obtidos com trabalhos de conservação e restauro, e reforçam a importância social do Conservador-restaurador.
- Os conservadores-restauradores do Brasil e os estudantes da área devem se unir e permanecerem atentos frente ao desconhecimento ou desvalorização da profissão, objetivando também a luta pelo efetivo reconhecimento da profissão. Nesse sentido, é importante que a categoria se manifeste frente a algumas situações listadas a seguir:
- Estágios curriculares realizados por estudantes de cursos de Conservação e Restauro devem respeitar a legislação vigente, como forma de reforçar o processo de consolidação da área no país, do mesmo modo que a condução dos estágios não pode retirar espaço de atuação dos profissionais estabelecidos no mercado. Assim sendo, é fundamental que as instituições culturais e de ensino conduzam esses estágios com responsabilidade. Os estágios curriculares são integrantes dos projetos pedagógicos dos cursos de graduação, sendo experiências formativas e de aprendizado. Dessa forma, os estudantes devem obter, através de seu estágio, uma experiência de aprendizado e não a responsabilidade de substituir profissionalmente um conservador-restaurador devidamente habilitado.
- É urgente e necessário que se estabeleçam diretrizes curriculares nacionais para cursos de graduação em Conservação e Restauro de Bens Culturais. Na medida em que diversos cursos têm surgido no país, a falta de diretrizes específicas para essa área de formação não contribui para a consolidação desta área.
- Os conservadores-restauradores são os profissionais habilitados para exercerem ações de conservação e restauro de bens culturais. Na relação com outras áreas do conhecimento é fundamental que sejam resguardadas e respeitadas essas atribuições da profissão. Nessa perspectiva, recomenda-se que estudantes e profissionais se mantenham atentos a editais de concursos e processos de seleção, de modo que os sujeitos devidamente habilitados para trabalhar com a conservação e restauro de bens culturais tenham acesso a esses processos seletivos e que se resguarde a especificidade dessa habilitação para postos de trabalho na área.
O presente documento coloca-se como uma ferramenta para respaldar ações políticas e encaminhamentos dos profissionais da área, tendo sido aprovado pelos presentes, somando-se aos demais documentos equivalentes que têm como objetivo comum o crescimento e a consolidação da área da conservação e restauro de bens culturais no Brasil.
Pelotas, março de 2013